
“Gostaria de ser uma memória, a memória de um povo destroçado pela tragédia ”
Aleksandr Solzhenitsyn, romancista russo, historiador e crítico do comunismo soviético e do liberalismo ocidental, é um exemplo poderoso de um escritor que incarnou maravilhosamente, na sua vida, duas virtudes próprias de líderes: a magnanimidade e a humildade.
Solzhenitsyn era magnânimo. Tinha um elevado sentido da sua própria dignidade numa época em que o Estado totalitário soviético esmagava a dignidade num grau nunca antes visto.
A missão de Solzhenitsyn poderia ser resumida em poucas palavras. Como afirmou uma vez: “Gostaria de ser uma memória, a memória de um povo destroçado pela tragédia”. Solzhenitsyn queria tornar-se a voz poderosa e universal dos milhões que pereceram sob o comunismo. “Vou publicar tudo!”, dizia. “Dizer tudo o que sei! … Em nome daqueles que foram abafados, baleados, que morreram à fome ou foram congelados até a morte. ”
Solzhenitsyn compreendeu que tinha de gritar a verdade “até que o bezerro parta o pescoço, contra o carvalho, ou até que o carvalho se torça e caia. Um acontecimento improvável, mas em que estou muito disposto a acreditar”.
Um escritor que se propôs um objetivo tão grandioso – em tal época e em tal lugar – foi, para toda a humanidade, e para a Rússia em particular, sinal de uma enorme esperança.
A poetisa russa Olga Sedakova, que leu Solzhenitsyn em samizdat, testemunha: “Esse novo conhecimento da extensão do mal chamado comunismo, que podia matar um homem se ele não estivesse preparado, dificilmente acabaria com os escritos de Solzhenitsyn. Pela sua própria existência e poder narrativo, eles diziam algo mais, nomeadamente: que mesmo um tão grande mal, embora fortemente armado, não era omnipotente! Eles deram-nos, obviamente, uma hipótese de vida. E isso foi mais surpreendente do que qualquer outra coisa: um homem virtualmente posicionado contra toda a vasta maquinaria de mentiras, estupidez, brutalidade e capacidade de encobrir as evidências do regime. E esse foi um conflito travado por um lutador solitário, como só acontece uma vez num milénio. A identidade do vencedor surge inequivocamente em cada frase. Mas ao contrário das vitórias conquistadas pelo regime, esta nada tinha de bombástico. Chamo-lhe vitória da Páscoa, enquanto passa pelo meio da morte até a ressurreição. Na narrativa do Arquipélago, as pessoas ressurgiram dos mortos, transformadas no pó dos campos, o país ressurgiu dos mortos, a verdade ressurgiu dos mortos… Foi o ressurgir da verdade no homem, da verdade sobre o homem, a partir de uma total impossibilidade de que isso pudesse acontecer ”.
Os contemporâneos mais talentosos de Solzhenitsyn, tendo sido cativados por ele como escritor, não esconderam o choque quando conheceram Solzhenitsyn, o homem. Parece que a primeira pessoa a discernir a magnanimidade de Solzhenitsyn foi a poetisa russa e vencedora do prémio Nobel, Anna Akhmatova. Assim o definiu ela: “Um portador de luz!… Já nos tínhamos esquecido de que tais pessoas existem… Um indivíduo surpreendente… Um grande homem.”
Solzhenitsyn foi um servidor da humanidade: pelo exemplo da sua vida, restaurou em muitas pessoas o sentido da dignidade pessoal e um sentido de esperança. Solzhenitsyn não só informou o mundo sobre a realidade e o alcance do mal, como inspirou também a grandeza nas pessoas. E mudou a vida de muitos.
A reputação de Solzhenitsyn era muito boa, tanto no seu país como no exterior, enquanto se limitou a criticar Estaline, nas suas primeiras obras como Um dia na vida de Ivan Denisovich. Isso adequava-se aos propósitos do líder soviético Khrushchev, que levava a cabo uma campanha contra o culto à personalidade de Estaline. Também se adequava a muitos intelectuais ocidentais, que admiravam a Revolução de Outubro mas sentiam que Estaline a tinha traído. Mas em trabalhos posteriores, Solzhenitsyn deixou claro que se opunha não apenas a Estaline, mas a Lenine e à Revolução de Outubro. Rejeitou mesmo a Revolução de Fevereiro. E não hesitou em escrever uma carta aberta à liderança soviética apresentando as suas perspetivas heterodoxas. E assim ganhou a eterna hostilidade não só do regime soviético, mas também das legiões de intelectuais ocidentais – muitos dos seus antigos apoiantes – que eram geralmente simpatizantes da causa revolucionária e dos seus objetivos temporais. Uma vez expulso para o exílio ocidental, enfrentou incompreensão e troça por não ter prestado a sua obediência ao materialismo secular. O seu crescente exército de detratores, incapazes de permitir a legitimidade de uma cosmovisão que contradissesse a deles, apressou-se a apresentá-lo como um inimigo da liberdade e do progresso. Mas Solzhenitsyn manteve-se completamente imperturbável.