“Eu tenho um sonho”
Martin Luther King é um maravilhoso exemplo de magnanimidade. A magnanimidade é a virtude de quem é simultaneamente filósofo e homem ou mulher de ação.
Luther King foi um ativista não-violento dos direitos humanos dos negros nos Estados Unidos. Em 1963, escreveu na prisão de Birmingham: “Quando se viu gente má a linchar, por querer, os nossos pais e as nossas mães, a afogar os nossos irmãos e irmãs com prazer; quando vimos polícias cheios de ódio a amaldiçoar, espancar, brutalizar e até mesmo a matar as nossas irmãs e irmãos negros com total impunidade; quando vemos a maioria dos nossos vinte milhões de irmãos negros sufocados na prisão fétida da pobreza, e a viverem no meio de uma sociedade opulenta; … quando lutamos sem cessar contra o sentimento devastador de ser considerado ninguém, …então entende-se por que é para nós tão difícil esperar. Chega um momento em que o copo fica cheio, e as pessoas já não suportam mais continuar mergulhadas nos abismos do desespero. E eu espero, meus senhores, que possam compreender a nossa legítima e inevitável impaciência”.
Martin Luther King pregou a não-violência, mas não hesitou em recorrer à justa cólera que estimula a audácia e gera a ação. Luther King diz-nos que, quando a justiça e o bom senso exigem a indignação, a brandura é um erro e um pecado.
Na mesma carta da prisão de Birmingham, escreveu: «Durante anos, ouvi a palavra “Esperem!” Ela soa terrivelmente familiar aos meus ouvidos e aos de cada Negro. Devemos perceber, como o faz um dos nossos ilustres juristas, que “justiça adiada é justiça negada” … Eu estou quase a chegar à lamentável conclusão de que o grande obstáculo posto aos Negros contra a luta pela sua liberdade não é nenhum membro do Conselho dos Cidadãos Brancos, nem do Ku Klux Klan, mas do Branco moderado… que pensa poder propor, à boa maneira paternalista, um calendário para a libertação de outro homem; que cultiva o mito do tempo-que-é-a-vosso-favor e que aconselha constantemente o Negro a esperar por um momento mais oportuno… Esperamos há mais de trezentos e quarenta anos pelos direitos constitucionais que nos foram dados pelo Criador… Além disso, parece-me que as pessoas más usam o tempo de forma muito mais eficaz do que as pessoas de bem. Teremos que nos arrepender, nesta geração, não só pelas palavras e ações de pessoas más, mas pelo terrível silêncio das pessoas de boa vontade… Devemos usar o tempo de forma criativa, sabendo que é sempre tempo de fazermos o bem».
Perder uma oportunidade, não ter realizado uma ação por medo ou por comodismo é o que, mais do que tudo, faz sofrer um espírito magnânimo. Para o magnânimo, o mal não é o mal que os outros fazem, é o bem que ele pessoalmente não faz. Um coração magnânimo não teme o erro: teme a passividade.
Martin Luther King era um melancólico audaz. As suas frequentes crises de melancolia não o impediram de se superar e de se lançar à ação. Este homem profundamente contemplativo foi o primeiro a lutar pelos direitos dos cidadãos negros nos Estados Unidos. Organizou a marcha até Washington em busca de trabalho e de liberdade, que foi um enorme sucesso. Mais de 250.000 pessoas de todas as etnias compareceram a 28 de agosto de 1963, em frente do Memorial a Lincoln, no maior protesto realizado na História da capital dos EUA.
O ponto alto desta marcha foi o discurso de Luther King “I have a dream” (Eu tenho um sonho). Esta declaração é considerada um dos melhores discursos da história americana. King improvisa: «Meus amigos, digo aqui e agora, ainda que enfrentemos dificuldades hoje e amanhã, mantenho este sonho: é um sonho profundamente ancorado no ideal americano. Eu sonho que um dia o nosso país se levantará e viverá plenamente a realidade daquilo em que acredita: “consideramos evidente em si esta verdade: que todos os homens são criados iguais”».
Martin Luther King diz-nos que a liderança começa pelo sonho. O sonho é de facto a essência da magnanimidade. Os líderes são sonhadores cujos sonhos se convertem em ação. O sonho do pusilânime é uma quimera. O sonho do magnânimo torna-se uma realidade: dirige-se à ação.
A 3 de abril de 1968, um dia antes do seu assassinato, Luther King fez um discurso pungente com ressonâncias premonitórias: “Não sei o que irá acontecer agora. Temos diante de nós dias difíceis. Mas eu não me importo com o que me vai acontecer, porque cheguei ao cimo da montanha. Já não me inquieto mais. Como todos, gostaria de viver muito tempo. Mas a longevidade tem o seu preço. E isso já não me importa. Eu quero simplesmente que a vontade de Deus seja feita. E foi isso que me permitiu chegar ao topo da montanha. Olhei à minha volta. E vi a Terra prometida. É possível que eu não entre nela convosco. Mas quero que saibam, nesta noite, que o nosso povo alcançará a Terra prometida. Estou feliz esta noite. Não estou preocupado com nada. E não temo nenhum homem. Os meus olhos viram a glória da vinda do Senhor”.
Martin Luther King foi um sonhador e um homem de ação: um homem grande que soube servir. Ele infundiu no coração de cada negro americano um elevado sentido da sua própria dignidade. E é isso que constitui a liderança.